"Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém" Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios

"Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém [...]". (Carta do Apóstolo Paulo aos cristãos. Coríntios 6:12) Tudo posso, tudo quero, mas eu devo? Quero, mas não posso. Até posso, se burlar a regra; mas eu devo? Segundo o filósofo Mário Sérgio Cortella, ética é o conjunto de valores e princípios que [todos] usamos para definir as três grandes questões da vida, que são: QUERO, DEVO, POSSO. Tem coisas que eu quero, mas não posso. Tem coisas que eu posso, mas não devo. Tem coisas que eu devo, mas não quero. Cortella complementa "Quando temos paz de espírito? Temos paz de espírito quando aquilo que queremos é o que podemos e é o que devemos." (Cortella, 2009). Imagem Toscana, Itália.































terça-feira, 20 de maio de 2014

AS QUATRO ESCOLAS DO HELENISMO


Introdução
 
A morte de Alexandre III em 323 assinala, tradicionalmente, o fim da polis como modelo de unidade política e o começo da difusão da cultura grega no Oriente. Nem mesmo a meteórica expansão de Roma e a conquista das monarquias helenísticas foi capaz de afetar, posteriormente, a predominância cultural do helenismo em todo o Mediterrâneo Oriental.
 
Durante o conturbado Período Helenístico, o homem deixou de ser o componente mais importante de uma comunidade restrita para se tornar um simples cidadão de vastos impérios. A perda da importância política individual fez muitos se dedicarem cada vez mais à busca da felicidade pessoal através da religião, da magia ou da Filosofia.
 
As principais escolas filosóficas do Período Helenístico foram o cinismo, o ceticismo, o epicurismo e o estoicismo. Todas procuravam, basicamente, estabelecer um conjunto de preceitos racionais para dirigir a vida de cada um e, através da ausência do sofrimento, chegar à felicidade e ao bem-estar.
 
Das antigas escolas filosóficas, a Academia envolveu-se durante algum tempo com o ceticismo, e depois voltou ao caminho original, traçado por Platão; o Liceu, fundado por Aristóteles, afastou-se cada vez mais da filosofia e da erudição e se devotou, principalmente, à literatura.
 
O Período helenístico caracterizou-se por um processo de interação entre a cultura grega clássica e a cultura dos povos orientais conquistados. Substituiu-se a vida pública pela vida privada como centro de reflexões filosóficas.
 
A reflexão política foi abandonada pela Filosofia.  Na filosofia Greco-romana, que corresponde à fase militar de Roma, não houve grandes novidades, pois o principais pensadores dedicaram-se basicamente à tarefa de assimilar e desenvolver as contribuições culturais herdadas da Grécia Clássica.
 
As principais correntes filosóficas desse período vão tratar da intimidade, e da vida interior do ser humano. Entre as principais tendências desse período destaca-se o epicurismo, o estoicismo, o pirronismo e o cinismo.
 

EPICURISMO: O PRAZER
O epicurismo, de Epicuro (324-271 a.C.) – propunha a ideia de que o ser humano deve buscar o prazer da vida. No entanto, distinguia, entre os prazeres, aque­les que são duradouros e aqueles que acarretam dores e sofrimentos, pois o prazer estaria vinculado a uma conduta virtuosa. Para Epicuro, o supremo pra­zer seria de natureza intelectual e obtido mediante o domínio das paixões. Os epicuristas procuravam a ataraxia, termo grego que usavam para designar o estado em que não havia dor, de quietude, serenidade, imperturbabilidade da alma. O epicurismo, posteriormente, serviu de base ao hedonismo, filosofia que tam­bém defende a busca do prazer, mas que não diferencia os tipos de prazeres, tal como faz Epicuro. Defendia que o prazer é o princípio e o fim de uma vida feliz.
 
Epicuro defendia dois grandes grupos de prazeres. O primeiro reúne os prazeres mais duradouros, que encantam o espírito, como a boa conversação, a contemplação das artes, a audição da música etc. O segundo inclui os prazeres mais imediatos, muitos dos quais são movidos pela explosão das paixões e que, ao final, podem resultar em dor e sofrimento.
 
Para desfrutar dos prazeres do intelecto é necessário dominar os prazeres exagerados da paixão.
 
 
ESTOICISMO: O DEVER
O estoicismo, de Zenão de Cício (334-262 a.C.) – os representantes des­ta escola, conhecidos como estoicos, defendiam uma atitude de completa austeridade física e moral, baseada na resistência do homem ante os sofrimentos e os males do mundo. Seu ideal de vida, designado pelo termo gre­go apathéia (que costuma ser mal traduzido por "apatia"), era alcançar uma serenidade diante dos acontecimentos fundada na aceitação da "lei universal do cosmos", que rege toda a vida. Fundado pelas ideias de Zenão de Cício, Defendiam a noção de que toda a realidade existente é uma realidade racional.
 
O que chamamos de Deus, nada mais é do que a fonte dos princípios racionais que regem a realidade.
 
Zenão propõe o dever, vinculado à compreensão da ordem cósmica, como o melhor caminho para a felicidade.
 
 
CETICISMO: A SUSPENSÃO DO JUÍZO
O ceticismo (pirronismo), de Pirro de Élis (365-275 a.C.) - segundo suas teorias, nenhum conhecimento é seguro, tudo é incerto. O pirronismo defendia que se deve con­tentar com as aparências das coisas, des­frutar o imediato captado pelos sentidos e viver feliz e em paz, em vez de se lan­çar à busca de uma verdade plena, pois seria impossível ao homem saber se as coisas são efetivamente como aparecem. Assim, o pirronismo é considerado uma forma de ceticismo, que professa a im­possibilidade do conhecimento, da obten­ção da verdade absoluta.
 
Fundado a partir das ideias de Pirro de Élis, foi uma corrente filosófica que defendia a ideia de que tudo é incerto, nenhum conhecimento é seguro, qualquer argumento pode ser contestado.
 
Desse modo, aceitando que das coisas só se podem conhecer as aparências e desfrutando o imediato captado pelos sentidos, as pessoas viveriam felizes e em paz.

 
 
CINISMO: ALÉM DAS CONVENÇÕES
O cinismo - o termo cinismo vem do grego kynos, que significa "cão", e desig­na a corrente dos filósofos que se pro­puseram a viver como os cães da cida­de, sem qualquer propriedade ou con­forto. Levavam ao extremo a filosofia de Sócrates, segundo a qual o homem deve procurar conhecer a si mesmo e desprezar todos os bens materiais. Por isso Diógenes, o pensador mais destacado dessa escola, é conhecido como o “Sócrates demente”, ou o “Sócrates louco”, pois questionava os valores e as tradições sociais e procurava viver estritamente conforme os princípios que considerava moralmente corretos. Sãos inúmeras as histórias e acontecimentos na vida desse filósofo que o tornaram uma figura instigante da história da filosofia.
 
Cínico, do grego kynicos, significa “como um cão”. Designa assim a corrente dos filósofos que se propuseram viver como os cães da cidade, sem qualquer propriedade e conforto.
 
Levavam ao extremo a tese socrática  de que o ser humano deve procurar conhecer a si mesmo e desprezar todos os bens materiais.
 
FONTES: (COTRIM, G. Fundamentos da filosofia. São Paulo: Saraiva, 2005, pp.105-106) in http://jaueras.blogspot.com.br/2010/01/as-quatro-escolas-do-helenismo.html
 
 
 
 
RESPONDA, NO BLOG, AS QUESTÕES ABAIXO.
 
 
1.      Caracterize, em termos gerais, a filosofia desenvolvida depois do período clássico.
 
2.      Confronte o epicurismo com o estoicismo, destacando semelhanças e diferenças.
 
3.      Por que o pirronismo é considerado uma forma de ceticismo? De que maneira seu ceticismo definia o modo de vida que propunha?
 
4.      Explique a origem da palavra cinismo, destacando sua relação com a corrente filosofia que denomina.

 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

A DIALÉTICA DE HEGEL

A dialética para Hegel é o procedimento superior do pensamento é, ao mesmo tempo, repetimo-la, "a marcha e o ritmo das próprias coisas". Vejamos, por exemplo, como o conceito fundamental de ser se enriquece dialeticamente. Como é que o ser, essa noção simultaneamente a mais abstrata e a mais real, a mais vazia e a mais compreensiva (essa noção em que o velho Parmênides se fechava: o ser é, nada mais podemos dizer), transforma-se em outra coisa? É em virtude da contradição que esse conceito envolve. O conceito de ser é o mais geral, mas também o mais pobre. Ser, sem qualquer qualidade ou determinação - é, em última análise, não ser absolutamente nada, é não ser! O ser, puro e simples, equivale ao não-ser (eis a antítese). É fácil ver que essa contradição se resolve no vir-a-ser (posto que vir-a-ser é não mais ser o que se era). Os dois contrários que engendram o devir (síntese), aí se reencontram fundidos, reconciliados.
Vejamos um exemplo muito célebre da dialética hegeliana que será um dos pontos de partida da reflexão de Karl Marx. Trata-se de um episódio dialético tirado da Fenomenologia do Espírito, o do senhor e o escravo. Dois homens lutam entre si. Um deles é pleno de coragem. Aceita arriscar sua vida no combate, mostrando assim que é um homem livre, superior à sua vida. O outro, que não ousa arriscar a vida, é vencido. O vencedor não mata o prisioneiro, ao contrário, conserva-o cuidadosamente como testemunha e espelho de sua vitória. Tal é o escravo, o "servus", aquele que, ao pé da letra, foi conservado.
a) O senhor obriga o escravo, ao passo que ele próprio goza os prazeres da vida. O senhor não cultiva seu jardim, não faz cozer seus alimentos, não acende seu fogo: ele tem o escravo para isso. O senhor não conhece mais os rigores do mundo material, uma vez que interpôs um escravo entre ele e o mundo. O senhor, porque lê o reconhecimento de sua superioridade no olhar submisso de seu escravo, é livre, ao passo que este último se vê despojado dos frutos de seu trabalho, numa situação de submissão absoluta.
b) Entretanto, essa situação vai se transformar dialeticamente porque a posição do senhor abriga uma contradição interna: o senhor só o é em função da existência do escravo, que condiciona a sua. O senhor só o é porque é reconhecido como tal pela consciência do escravo e também porque vive do trabalho desse escravo. Nesse sentido, ele é uma espécie de escravo de seu escravo.
c) De fato, o escravo, que era mais ainda o escravo da vida do que o escravo de seu senhor (foi por medo de morrer que se submeteu), vai encontrar uma nova forma de liberdade. Colocado numa situação infeliz em que só conhece provações, aprende a se afastar de todos os eventos exteriores, a libertar-se de tudo o que o oprime, desenvolvendo uma consciência pessoal. Mas, sobretudo, o escravo incessantemente ocupado com o trabalho, aprende a vencer a natureza ao utilizar as leis da matéria e recupera uma certa forma de liberdade (o domínio da natureza) por intermédio de seu trabalho. Por uma conversão dialética exemplar, o trabalho servil devolve-lhe a liberdade. Desse modo, o escravo, transformado pelas provações e pelo próprio trabalho, ensina a seu senhor a verdadeira liberdade que é o domínio de si mesmo. Assim, a liberdade estóica se apresenta a Hegel como a reconciliação entre o domínio e a servidão.
Hegel parte, fundamentalmente, da síntese a priori de Kant, em que o espírito é constituído substancialmente como sendo o construtor da realidade e toda a sua atividade é reduzida ao âmbito da experiência, porquanto é da íntima natureza da síntese a priori  não poder, de modo nenhum, transcender a experiência, de sorte que Hegel se achava fatalmente impelido a um monismo imanentista, que devia necessariamente tornar-se panlogista, dialético. Assim, deviam se achar na realidade única da experiência as características divinas do antigo Deus transcendente, destruído por Kant. Hegel devia, portanto, chegar ao panteísmo imanentista, que Schopenhauer, o grande crítico do idealismo racionalista e otimista, declarará nada mais ser que ateísmo imanentista.
No entanto, para poder elevar a realidade da experiência à ordem da realidade absoluta, divina, Hegel se achava obrigado a mostrar a racionalidade absoluta da realidade da experiência, a qual, sendo o mundo da experiência limitado e deficiente, por causa do assim chamado mal metafísico, físico e moral, não podia, por certo, ser concebida mediante o ser (da filosofia aristotélica), idêntico a si mesmo e excluindo o seu oposto, e onde a limitação, a negação, o mal, não podem, de modo nenhum, gerar naturalmente valores positivos de bem verdadeiro. Mas essa racionalidade absoluta da realidade da experiência devia ser concebida mediante o vir-a-ser absoluto (de Heráclito), onde um elemento gera o seu oposto, e a negação e o mal são condições de positividade e de bem.

Apresentava-se, portanto, a necessidade da invenção de uma nova lógica, para poder racionalizar o elemento potencial e negativo da experiência, isto é, tudo que há no mundo de arracional e de irracional. E por isso Hegel inventou a dialética dos opostos, cuja característica fundamental é a negação, em que a positividade se realiza através da negatividade, do ritmo famoso de tese, antítese e síntese. Essa dialética dos opostos resolve e compõe em si mesma o elemento positivo da tese e da antítese. Isto é, todo elemento da realidade, estabelecendo-se a si mesmo absolutamente (tese) e não esgotando o Absoluto de que é um momento, demanda o seu oposto (antítese), que nega e o qual integra, em uma realidade mais rica (síntese), para daqui começar de novo o processo dialético. A nova lógica hegeliana difere da antiga, não somente pela negação do princípio de identidade e de contradição - como eram concebidos na lógica antiga - mas também porquanto a nova lógica é considerada como sendo a própria lei do ser. Quer dizer, coincide com a ontologia, em que o próprio objeto já não é mais o ser, mas o devir absoluto.

Dispensa-se acrescentar como, a experiência sendo a realidade absoluta, e sendo também vir-a-ser, a história em geral se valoriza na filosofia; igualmente não é preciso salientar como o conceito concreto, isto é, o particular conexo historicamente com o todo, toma o lugar do conceito abstrato, que representa o elemento universal e comum dos particulares. Estamos, logo, perante um panlogismo, não estático, como o de Spinoza, e sim dinâmico, em que - através do idealismo absoluto - o monismo, que Hegel considerava panteísmo, é levado às suas extremas conseqüências metafísicas imanentistas.
Podemos resumir assim:

1.° - A lógica tradicional afirma que o ser é idêntico a si mesmo e exclui o seu oposto (princípio de identidade e de contradição); ao passo que a lógica hegeliana sustenta que a realidade é essencialmente mudança, devir, passagem de um elemento ao seu oposto;

2.° - A lógica tradicional afirma que o conceito é universal abstrato, enquanto apreende o ser imutável, realmente, ainda que não totalmente; ao passo que a lógica hegeliana sustenta que o conceito é universal concreto, isto é, conexão histórica do particular com a totalidade do real, onde tudo é essencialmente conexo com tudo;

3.° - A lógica tradicional distingue substancialmente a filosofia, cujo objeto é o universal e o imutável, da história, cujo objeto é o particular e o mutável; ao passo que a lógica hegeliana assimila a filosofia com a história, enquanto o ser é vir-a-ser;

4.° - A lógica tradicional distingue-se da ontologia, enquanto o nosso pensamento, se apreende o ser, não o esgota totalmente - como faz o pensamento de Deus; ao passo que a lógica hegeliana coincide com a ontologia, porquanto a realidade é o desenvolvimento dialético do próprio "logos" divino, que no espírito humano adquire plena consciência de si mesmo.

Visto que a realidade é o vir-a-ser dialético da Idéia, a autoconsciência racional de Deus, Hegel julgou dever deduzir a priori o desenvolvimento lógico da idéia, e demonstrar a necessidade racional da história natural e humana, segundo a conhecida tríade de tese, antítese e síntese, não só nos aspectos gerais, nos momentos essenciais, mas em toda particularidade da história. E, com efeito, a realidade deveria transformar-se rigorosamente na racionalidade em um sistema coerente de pensamento idealista e imanentista.

Não é mister dizer que essa história dialética nada mais é que a história empírica, arbitrariamente potenciada segundo a não menos arbitrária lógica hegeliana, em uma possível assimilação do devir empírico do desenvolvimento lógico - ainda que entendido dialeticamente, dinamicamente. Tal história dialética deveria, enfim, terminar com o advento da filosofia hegeliana, em que a Idéia teria acabado a sua odisséia, adquirindo consciência de si mesma, isto é, da sua divindade, no espírito humano, como absoluto. Mas, desse modo, viria a ser negada a própria essência da filosofia hegeliana, para a qual o ser, isto é, o pensamento, nada mais é que o infinito vir-a-ser dialético.

Referências Bibliográficas:

DURANT, Will. História da Filosofia - A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo, Editora Nacional, 1.ª edição, 1926.
FRANCA S. J. Padre Leonel, Noções de História da Filosofia.
PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia, Edições Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974.
VERGEZ, André e HUISMAN, Denis. História da Filosofia Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 4.ª edição, 1980.
JAEGER, Werner. Paidéia - A Formação do Homem Grego, Martins Fontes, São Paulo, 3ª edição, 1995.
Coleção Os Pensadores. Georg Wilhelm Friedrich Hegel - Estética: A Idéia e o Ideal - Estética: O Belo Artístico ou o Ideal, Nova Cultural, São Paulo, 1999.

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