"Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém" Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios

"Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém [...]". (Carta do Apóstolo Paulo aos cristãos. Coríntios 6:12) Tudo posso, tudo quero, mas eu devo? Quero, mas não posso. Até posso, se burlar a regra; mas eu devo? Segundo o filósofo Mário Sérgio Cortella, ética é o conjunto de valores e princípios que [todos] usamos para definir as três grandes questões da vida, que são: QUERO, DEVO, POSSO. Tem coisas que eu quero, mas não posso. Tem coisas que eu posso, mas não devo. Tem coisas que eu devo, mas não quero. Cortella complementa "Quando temos paz de espírito? Temos paz de espírito quando aquilo que queremos é o que podemos e é o que devemos." (Cortella, 2009). Imagem Toscana, Itália.































quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Um filme para sociólogos

Fábio Viana Ribeiro*



Assim como veterinários não são obrigados a gostar de cachorros e gatos, nem todos os sociólogos podem se sentir atraídos pela idéia de estudar a sociedade capitalista em seus aspectos conjunturais e estruturais. A observação, que não é minha, mas sim de um antigo colega de graduação, e autor de um blog que hoje não existe mais[1], remete ao fato, óbvio, de que qualquer profissão permite uma variação bem maior de interesses que aquela prevista pelo senso comum. A frase, um tanto quanto “escatológica”, de nosso antigo e talentoso professor, “que já estava cansado de estudar sociologia careta, e que seu interesse era agora estudar coisas improváveis, como ‘mulher com pinto’”, resume bem a idéia e dispensa maiores explicações.
Do ponto de vista de sociólogos que não se interessam muito por “cachorros e gatos”, o mundo ao seu redor, inclusive seus próprios colegas de profissão, é antes de tudo um lugar muito divertido e interessante. Comparativamente, não é a todo momento que um sociólogo “tradicional” pode estudar o capitalismo: festinhas de aniversário, terminais de ônibus, aposentados que jogam baralho nas praças, golpistas profissionais, fã clubes, grupos religiosos estranhos, etc., em geral não costumam atrair muito a curiosidade de sociólogos sérios (a ausência de aspas é proposital). A não ser, claro, dentro de um contexto mais amplo, capaz de tornar tudo que em princípio poderia ser perturbador, desconcertante e surpreendente em coisas previsivelmente sérias. Para muitos outros sociólogos, todo o interesse começa aí.
Não são muitos os filmes capazes de chamar tão pouca atenção nas prateleiras das locadoras quanto “Adam”, título pouco sugestivo de um filme de 2009, dirigido por Max Mayer. Além do título, contribuem para sua “camuflagem” a capa e os (habitualmente infames) comentários da embalagem, sugerindo tratar-se de mais uma comédia romântica ou algo semelhante. Não é o caso.
Anda que nem mesmo algumas das raras sinopses que podem ser encontradas na internet sobre o filme mencionem o fato, o assunto central é uma relativamente rara síndrome, cujo personagem que dá título ao filme é portador. Considerada uma forma leve de autismo, a síndrome de Asperger se caracteriza, de forma geral, por um quase bloqueio das capacidades de interação social. Em termos médios, a grande maioria dos indivíduos, não portadores dessa síndrome, atribui continuamente significados às suas próprias ações; quase como, por analogia, o faz um morcego, para efeito de se movimentar no espaço. Não sendo localizado qualquer obstáculo, no caso dos morcegos, ou havendo percepção de que “aquilo pode ser feito”, no caso dos humanos, a ação é levada adiante. O detalhe mais importante a ser considerado nessa perspectiva é o fato de que tais significados são reflexivos (no caso dos humanos) e envolvem uma contínua avaliação a respeito do “objeto” a que se dirigem[2]. Seja numa conversa banal, no guichê de uma repartição pública, parado sozinho à espera do ônibus, etc., os significados que atribuímos às nossas ações (falando, agindo, dissimulando uma atitude, etc.) “inspiram-se”, necessariamente, nas expectativas que alimentamos em relação ao comportamento de outros indivíduos.
E eis aí o ponto que faz de “Adam” um filme muitíssimo interessante sob o ponto de vista de (alguns) sociólogos. Por não possuir pleno domínio sobre estes elementos básicos da interação social, um aspie[3] constitui-se num improvável e vivo exemplo de indivíduo que, mesmo tendo passado por um processo de socialização, não possui a capacidade, tipicamente social, de adaptar seu comportamento em função daquilo que percebe no outro. Ao contrário do autismo clássico, indivíduos portadores dessa síndrome são com frequência muito talentosos em algumas áreas do conhecimento, vivem uma vida normal, etc. Mas, ao mesmo tempo, encontram-se como que separados de todo o mundo social que os cerca.
Talvez o maior mérito do diretor de “Adam” tenha sido alcançar a dimensão de “incomunicabilidade” dentro da qual vive o personagem. Afinal, onde reside nossa capacidade de, num sentido profundo, compreender o outro? Não talvez apenas nas palavras, nem mesmo por meio da interação social; mas por uma outra capacidade, essencialmente humana e que se materializa por meio dos sentimentos. O que, afinal, nos eleva acima da condição de meros seres biológicos e sociais. Não talvez por acaso, as cenas mais belas do filme parecem sugerir o milagre desse encontro.
Especulações óbvias poderiam ser feitas, com maior ou menor grau de pertinência. De que a condição do homem moderno implica num individualismo e alheamento que são, em parte, características da própria síndrome de Asperger. Um sistema que produz seus próprios autistas. Ou ainda que, da mesma forma que a imensa maioria dos aspies são do sexo masculino, é também uma característica tipicamente masculina certa necessidade de isolamento – que em alguns casos chega a ser transformado em ideal de vida. Traço de comportamento muito raramente encontrado entre mulheres.
Mas novamente, não é o caso. Ao perder o pai, que era uma de suas únicas ligações com o exterior, o personagem encontra-se fechado dentro de dois mundos. O de sua incapacidade de interagir com outros indivíduos e, ao mesmo tempo, o de viver num mundo que pouco sabe e se interessa por sua própria existência (como todos os que vivem nos grandes centros sabem…). Sua única saída vem de sua vizinha; por outros motivos, quase tão distante do mundo exterior quanto ele próprio. A distância existente entre ambos, que seria um grande problema para a maioria das pessoas, termina se transformando na rara chance de deixarem o isolamento de suas vidas.

FÁBIO VIANA RIBEIRO é professor adjunto da Universidade Estadual de Maringá (Departamento de Ciências Sociais) e Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

[1] “Observador Sociológico”, de autoria do Prof. Carlos Augusto Magalhães.
[2] O que caracteriza, como se sabe, o conceito de ação social, de Max Weber.
[3] Nome pelo qual são conhecidos os portadores da síndrome de Asperger.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Quanto vale ou é por quilo?

Direção: Sérgio Bianchi (2005)

Por Marta Kanashiro



"O que vale é ter liberdade para consumir, essa é a verdadeira funcionalidade da democracia". Proferida pelo ator Lázaro Ramos – em "Quanto vale ou é por quilo?", filme de Sérgio Bianchi – a frase traz uma entre as muitas questões apresentadas pelo cineasta paranaense, que são fundamentais para aqueles que desejam refletir mais seriamente sobre desigualdade, direitos e capitalismo na atualidade.

Assim como em "Cronicamente inviável", Bianchi apresenta a realidade de forma tão crua e chocante que novamente a crítica o tem rotulado como niilista ou catastrofista, rótulos que tanto limitam a visão de realidades de fato existentes, quanto revelam o desejo de continuar mantendo-as recalcadas. Bianchi parece nos dizer que é impossível ficar diante ou atento a essa realidade de disparidades sem o choque ou o constrangimento, e que talvez essas sensações sejam de alguma forma produtivas para tirar algumas pessoas de um mundo mágico, recheado de slogans em prol da solidariedade e da responsabilidade social.

Livre adaptação do conto "Pai contra mãe" , de Machado de Assis, o filme traz à tona a permanência na atualidade de nosso passado escravista, deixando clara a impossibilidade de olhar o presente sem levar esse passado em conta, assim como as persistentes desigualdades econômicas, sociais e de direitos no país. Na medida em que o conto machadiano é adaptado para a atualidade – nas figuras de Candinho, Clara, tia Mônica e Arminda – Bianchi mostra o elo imprescindível com a História para uma visão crítica da atualidade.

No entanto, para aqueles que ainda não leram o conto de Machado de Assis, o elo fica realmente claro quando Bianchi utiliza como recurso os paralelos com as crônicas de Nireu Cavalcanti, do final do século XVIII, extraídas do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Os cortes entre a adaptação do conto e esses documentos do Arquivo Nacional produzem quase que choques sucessivos no espectador, na medida em que igualam a violência, a noção de que pessoas podiam ser propriedade de outras, ou a lógica do lucro do sistema de escravidão no Brasil, ao que hoje é produzido com relação aos excluídos e marginalizados em nossa sociedade.

Mas se por um lado o filme afirma que há reminiscências que nos são constitutivas, também abarca sua incorporação e complexificação nos dias atuais: a miséria ou a prisão como economicamente rentáveis e geradoras de emprego, a solidariedade como empresa ou até mesmo a denúncia como um negócio. No atual jogo "democrático" e de "participação" da sociedade civil em prol de demandas não atendidas pelo Estado, as ongs - ou o terceiro setor, como se convencionou chamar - aparecem no filme funcionando como empresa, incorporando seu discurso típico e objetivando, enfim, o lucro. Responsabilidade social ou solidariedade são exaltadas e mobilizadas como marketing dessa nova indústria que gerencia a miséria e os miseráveis. A crítica ácida de Bianchi recai, portanto, sobre aquilo que muitos têm entendido como solução ou alternativa para os dilemas inerentes ao capitalismo – as ONGs.

Sem freios, tal acidez pode voltar-se inclusive sobre o próprio filme que, no limite, ao tematizar o uso econômico da miséria, faz da denúncia seu negócio. Mas essa possível autofagia encontra como limite o choque do espectador, a proposta de retirá-lo daquele mundo mágico, da inércia confortante dos que criticam e apresentam uma nova proposta ou solução ao final. Sem solução, sem proposta, Bianchi termina o filme com dois finais possíveis, dando a entender que mesmo que não sejam apenas aquelas as opções, é o espectador que dará novos desfechos para a nossa História.

Ao final da sessão, na sala 4 do Espaço Unibanco, na capital paulista, a platéia parecia não conseguir se erguer das poltronas, o silêncio era fúnebre, de fato alguém tinha retirado o nosso chão. Precisávamos reconstruí-lo para poder nos erguer. Uma dupla de senhoras tentou resolver a questão da forma mais fácil dizendo: "O filme é pura promoção do conflito". Pois é, ficou tudo tão evidente que para alguns é preferível imaginar que o conflito ainda não está posto no cotidiano brasileiro.


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Giordano Bruno (1548 - 1600)


Para Bruno o universo é constituído de um único corpo, mas as coisas singulares são ordenadas com precisão e estão conectadas com todas as outras coisas. O que fundamenta essa organização são as ideias, que são princípios eternos e imutáveis. Cada coisa particular é uma imitação, uma imagem ou a sombra da realidade ideal que a orienta. Nossa mente também segue essa estruturação universal e nossas ideias não são eternas e imutáveis, mas são o reflexo, o vulto das ideias que não se alteram.

Mesmo nossas ideias sendo a sombra de algo imutável, através delas podemos chegar ao verdadeiro conhecimento se encontrarmos um método que consiga assimilar e compreender a complexidade da realidade. Esse método tem que ter a capacidade de entender essa estrutura universal ideal que sustenta todo universo.

Para Giordano o método para entender a unicidade e a multiplicidade do universo é a memória. A memória nos permite impedir que nossa mente se confunda com o grande número de coisas que existem no universo e com os conceitos e representações dessas coisas. Essas representações são sombras das ideias divinas e a memória serve para fixar em nossa mente essas imagens. Através de exercícios de memória podemos colocar em nossa mente um grande número de reflexos das coisas e das ideias divinas, o que torna mais sólida nossa capacidade intelectiva e mais eficaz nossa ação sobre o mundo. Para atingir esses objetivo é que Giordano Bruno foi grande estudioso e professor de mnemônica, que é o estudo de técnicas para facilitar a memorização.

Bruno sustenta ainda que o universo é infinito, e como infinito não tem um centro nem uma circunferência.

Em seus estudos sobre ética Bruno culpa o cristianismo de inverter os valores morais de sua época. O cristianismo tornou a crença sem reflexão em uma sabedoria, a hipocrisia humana em conselho divino, a corrupção da lei natural em piedade religiosa, o estudo em loucura, a honra em riqueza, a dignidade em elegância, a prudência na malícia, a traição na sabedoria e a justiça na tirania.

Para combater essa situação Giordano cria uma escala de valores onde em primeiro lugar está a verdade, em segundo a prudência e em terceiro a sabedoria. Em quarto lugar está a lei, que regula o comportamento das pessoas e na sequência, a força de espírito que é a virtude interior.

Deus, para o filósofo Bruno, não pode ser conhecido pelas suas consequências nem por suas obras, da mesma forma que não podemos conhecer o escultor pela estátua. Não podemos conhecer Deus porque Ele está muito além da nossa capacidade intelectiva. O caminho mais digno para nos aproximarmos de Deus é através da sua revelação.

Mas Deus como objeto de estudos da filosofia, é a própria natureza. E como natureza Deus é o motivo e a origem do universo. É motivo porque Ele é que define as coisas que formam o universo. E é origem porque é Ele quem dá a existência para as coisas do universo. Deus é o intelecto universal que anima, serve de base e governa o mundo.



Sentenças:

- Deus é tudo em tudo, mas não em cada parte.

- O tempo tudo tira e tudo dá; tudo transforma e nada destrói.

- Não existe satisfação sem tristeza.

- A poesia não nasce das regras.

- Somos a causa de nós mesmos.

- O universo é uno, infinito e imóvel.

- Os homens mais devotos e santos, um dia foram chamados de asnos.

- Não é a matéria que causa o pensamento, mas o pensamento que causa a matéria.

- O homem não tem limites, e um dia se dará conta disso e será livre, ainda neste mundo.

- O amor torna o velho louco e o jovem sábio.

- A ignorância é a mãe da felicidade.


Giordano Bruno


Responsável: Arildo Luiz Marconatto